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A direção de um Instituto ou de uma Faculdade reflete a representação de suas correlações de forças internas. Seu diretor, por mais ativo e interessado, é sempre um representante.
No começo de abril o diretor Mariano Laplane tomou uma atitude muito controversa: negou dois pedidos formais para uso de salas por grupos de estudos com participação de estudantes do IE. O primeiro havia sido feito pelo grupo de Leituras Marxistas do séc XX e o segundo pelo grupo de Estudos da Realidade Brasileira que iria investigar as contribuições de Caio Prado Jr, Florestan Fernandes e Celso Furtado.
O que mais chama a atenção foi a justificativa dada para a decisão que, aparentemente (e argumento que só aparentemente), sugere um desvario completo da direção: nenhum dos temas de estudo guardaria, na avaliação do diretor e dos coordenadores Ana Rosa e Carlos Brandão, qualquer relevância para graduação ou pós no Instituto.
O fato é que a decisão é coerente (mas nem por isso boa), pois o IE se encontra na aurora de uma nova fase de sua história. E a gestão do diretor Mariano Laplane é um divisor de águas nesse processo, uma descontinuidade.
Ora, a vida política no Instituto sempre se marcou pelo que os estudantes chamaram em sua Carta de Apresentação ao XXV Congresso da ANGE[1] de uma intolerância ao conflito que procura acomodar interesses sem deixar que as divergências venham à tona. Parte importante dessas acomodações e fugas das contradições era possível pela força simbólica das heranças de esquerda, de crítica e de luta democrática do próprio IE sobre o corpo de jovens professores.
De suas reuniões com as três categorias na fase de sua pré-candidatura aos momentos atuais de sua gestão, o diretor citou preocupação especial com temas de reforma universitária com os quais, posteriormente, identificamos uma coincidência com um programa da OCDE[2] de padronização do ensino superior, tais como a preocupação com indicadores de produtividade e aumento da inserção internacional da universidade, etc.
Três fatos curiosos.
Primeiro. Ano passado, o diretor foi o único dentre vários de seus colegas a entregar à reitoria nomes de estudantes para que fossem repassados à PM e investigados policialmente por uma atividade cultural no campus (encontro de baterias). Meses antes, o vice-diretor, Prof. Cláudio Maciel, chefiava a comissão da reitoria para punição de estudantes supostamente envolvidos com atividades culturais no espaço da Unicamp.
Segundo. Em 2010 encerrou-se um processo de reforma da pós-graduação marcado por tentativas de negar aos representantes discentes acesso aos fóruns de discussão. Na assembléia final (realizada fora do IE), o diretor defendeu que a missão histórica que se coloca diante do IE é obter, pelo menos, nota 5 no ranking da CAPES[3].
Terceiro. No dia 27 deste mês, (quarta-feira) houve uma congregação pela manhã na qual o diretor colocou em pauta o aluguel de salas do Instituto para um programa de cursos de extensão paga que a FGV oferece com foco nos escalões administrativos das empresas da região. Quatro salas ao preço de R$1.300,00 cada por três anos. (O ponto foi revogado).
Questão: por que nossos professores estão sendo capazes de capitanear movimentos de privatização da universidade pública contra a herança histórica do IE? Por que os professores do Instituto podem exercer a prerrogativa de tomar decisões sumarias e contra-democráticas?
Palpite.
A estrutura estatutária da universidade é extremamente autoritária. Além de conter em vigor elementos do AI-5[4], ela dá um peso desigual nas instâncias deliberativas de 60% para os representantes docentes, 20% para os representantes discentes e 20% para representantes dos funcionários administrativos.
Soma-se a isso o fato de que, progressivamente, foram feitas reformas, principalmente através da CAPES, que vincularam a progressão da carreira dos professores a um tipo de produção intelectual no melhor estilo fast-food: cardápio em inglês, porções insalubres, baixo valor nutritivo, aditivos químicos, etc.
Criaram-se, assim, as relações de interesses e conveniências para que a universidade se organize para facilitar essa dinâmica de ensino e pesquisa. Daí entram os planos da OCDE, Banco Mundial, etc.
Uma vez desorganizado o sindicato dos trabalhadores, as representações estudantis[5], e isolados os professores mais críticos, que tomam a função da universidade pública pela produção de conhecimento e serviço ao público, a burocracia autoritária se blinda.
Pelos canais institucionais a universidade caminha para a sua assimilação aos padrões da universidade mercantilizada internacional. A contestação é excluída das vias institucionais por um estatuto autoritário. Qualquer crítica à burocracia é considerada um atentado contra o “estado democrático de direto”.
É assim, entre relações desiguais de força e relações pasteurizadas de conveniências, os capitães de uma massa silenciosa de 76 professores podem empreender uma reforma universitária anti-social abandonando muito de sua dissimulação e muito pouco de seu cinismo.
Daniel – Fantasma Jedi
[1] Publicado no dia 15/10/2010 no Jornal do CAECO (ieunicamp.wordpress.com).
[2] Confira: http://www.inova.unicamp.br/inovacao/noticia.php?id=842. Quanto a esse padrão de ensino superior, elementos essenciais de crítica foram publicados no Jornal do CAECO do dia 07/04/2010: https://ieunicamp.wordpress.com/2010/04/07/o-publico-e-o-privado-a-luz-da-capes-reflexoes-sobre-a-reforma-da-pos-graduacao-do-ieunicamp/.
[3] Nota curiosa: O programa de pós-graduação do Instituto em Desenvolvimento Econômico teve sua nota CAPES rebaixada porque publicou muitos livros e muitos capítulos de livros, porém poucos artículos em revistas anglo-saxãs.
[4] Pérola: comparem os artigos 226-228 e 233-234 do Título X do Regimento Geral da Unicamp com o artigo 5º da Lei 6680/1969 referente ao AI-5.
[5] Na gestão do reitor Brito, chegou-se ao cúmulo das eleições para representantes discentes nas instâncias deliberativas da universidade serem suspensas.